Plínio Corrêa de Oliveira*
A fim de resumir o mais possível o assunto: uma sociedade bem ordenada deve ser constituída pelos seguintes escalões, enumerados aqui em ordem ascendente: indivíduo - família - Município - Região, Província ou Estado - Federação.
Em vista dessa disposição hierárquica, o princípio de subsidiariedade afirma que cada escalão deve prover por si mesmo a tudo quando possa fazer mediante o aproveitamento inteligente, operoso e integral de todos os recursos que lhe são próprios. E deve receber analogamente o apoio do escalão superior, em tudo quanto lhe seja impossível prover por si mesmo.
Assim, nos casos em que o homem se encontre legitimamente impedido de prover por si às próprias necessidades, é natural que ele recorra à ação supletiva do grupo social que lhe é mais próximo, ou seja a família.
Quando a ação subsidiaria da família se verifica legitimamente insuficiente, pode o homem recorrer ao município.
Na enventualidade de, mesmo então, não encontrar ele a ajuda necessária, está o homem no direito de recorrer, também subsidiariamente, à ação dos grupos superiores, e assim por diante.
O princípio de subsidiariedade, assim descrito, embora com o caráter algum tanto hirto das exposições esquemáticas, situa a livre iniciativa no âmago de um conjunto de círculos concêntricos sucessivamente destinados a ajudá-la.
É ela exatamente o oposto do coletivismo, que se propõe estancá-la.
O escalão superior deve sempre exercer duas ações simultâneas: uma no seu próprio âmbito, e para o seu próprio bem, e outra - subsidiária - no âmbito do elo inferior e para o bem deste. Tal é a subsidiariedade vista no sentido ascendente.
Mas a mesma subsidiariedade também pode ser vista no sentido descendente. De alto a baixo dessa hierarquia, o escalão superior deve providenciar quanto lhe seja possível para atender suas próprias necessidades. Mas deve ser ajudado pelo escalão inferior na medida do necessário.
Esta é a outra perspectiva da subsidiariedade.
Tal doutrina pressupõe que haja um esfera própria para cada escalão - o que é óbvio - e que cada escalão deve primordialmente consagrar-se à sua esfera própria, sem jamais ficar aquém ou além dos limites desta. O que não é menos óbvio.
Também óbvio é que nenhum desses escalões pode subsistir só por si. Pois a auto-suficiência absoluta importa na dissolução do vínculo que concatena esse escalão com os demais.
Pelo que foi dito, vê-se que há, na ordem natural, esferas específicas, para a ação dos indivíduos e do Estado. E cada qual só deve agir fora da própria esfera subsidiariamente à outra.
Assim o Estado só deve intervir na esfera privada nos pontos em que esta seja imponente para anteder o próprio bem. E vice-versa.
Em carta de 23 de outubro de 1956, à XXIX Semana Social Italiana, realizada em Bérgamo, na Itália, Mons. ângelo Dell'Acqua, afirma:
"Compete ao Estado, como promotor do bem comum, chamar a atenção dos indivíduos sobre seus deveres sociais e regular, sempre dentro dos limites do justo e do honesto, suas atividades econômicas, em harmonia com o bem coletivo. Erro não menos funesto seria atribuir ao Estado a tarefa ou a missão de planejar integralmente a vida econômica até a supressão de toda a iniciativa privada, com o fim de atingir o ideal de uma quimérica igualdade entre todos os homens. Também neste campo a intervenção do Estado é tão-só subsidiária; sua ação deve estar informada pela justiça, não suprimindo a iniciativa dos particulares, mas intervindo só quando e na medida em que o exija o bem comum, para estimulá-á e coordená-la, deixando aos cidadãos e às organizações menores as funções que são capazes de desenvolver com meios próprios. 'A economia - dizia o Santo Padre Pio XII no discurso de 07 de maio de 1949 - não menos que qualquer outro ramo da atividade humana, não é por sua natureza uma instituição do Estado; é, pelo contrário, o produto vivo da livre iniciativa dos indivíduos"(Diccionario de Textos Sociales Pontificios, organizado por Angel Torres Calvo, CBE, Madrid, 1962, p. 849).
Mas ainda. O escalão que proporcione a outro o apoio de que este necessita não deve considerar essa conquista como uma dominação vantajosa que se trata de prolongar o mais possível. A ajuda subsidiária não é uma vantagem mas um ônus e um serviço. E quem age subsidiariamente deve empenhar-se em que o ajudado recupere quanto antes a normalidade suficiente para que essa ajuda cesse, sempre que, pela ordem natural das coisas, ela não for definitiva.
Em termos mais concretos, um Estado que ajude uma grande empresa a não ir à falência não deve exercer sua ação subsidiária de maneira a conservar para todo o sempre, em mãos do Poder Público, a direção desta última.
Pelo contrário, deve ele fazer o possível para que a empresa assistida recupere tão logo condições para viver novamente por si mesma.
Analogamente, o Estado só deve cobrar os tributos necessários para se manter. E os particulares devem ajudar o Estado de sorte que, se ele tiver que ampliar os impostos para atender dificuldades extraordinárias, ele possa reintegrar quanto antes a situação normal à mingua da qual fora obrigado a lançar os ditos impostos extraordinários.
Este princípio, uma vez arvorado em norma constitucional, tornaria muito mais harmônica a inter-relação indivíduos - famílias - Municípios, Província ou Estado - Federação.
Cabe ainda um palavra sobre a presença da família nesta vasta interarticulação hierárquica.
Pertence ela à esfera privada. Porém suas relações com o indivíduo e com o Município também devem ser reguladas pelo princípio de subsidiariedade.
*Extraído do livro "Projeto de Constituição Angustia o País", 1987, Páginas 144/146
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