Roberto de Mattei
(Tradução Helio Viana)
(Tradução Helio Viana)
Em 5 de março de 2013 - Os olhos do mundo, não só dos católicos, estão voltados neste momento para São Pedro, a fim de saber quem será o novo Vigário de Cristo. A espera que se manifesta antes de cada Conclave é desta vez mais acurada e intensa, pela sucessão de acontecimentos que nos deixam chocados e confusos.
Massimo Franco escreve no “Corriere della Sera” de 27 de fevereiro de 2013 que “dentro da Cidade do Vaticano está se consumando o fim de um modelo de governo e de uma concepção do papado”, e compara a dificuldade que a Igreja atravessa hoje com a fase final da crise do Kremlin soviético. “O declínio do Império vaticano – escreve – acompanha aquele dos EUA e da União Europeia em crise econômica e demográfica. Mostra um modelo de papado e de governo eclesiástico centralizado, desafiado por uma realidade fragmentada e descentralizada”. A crise do império vaticano vem apresentada como uma crise de modelo de papado e de governo eclesiástico inadequado para o mundo do século XXI. A única saída seria a de um processo de “auto-reforma” que salvasse a instituição desnaturando-lhe a essência.
Na realidade, o que está em crise não é o governo “monocrático” conforme com a Tradição da Igreja, mas o sistema de governo nascido das reformas pós-conciliares, que nos últimos 50 anos vêm expropriando o Papado de sua autoridade soberana para redistribuir o poder entre as conferências episcopais e uma onipotente Secretaria de Estado. Mas, sobretudo Bento XVI e seus predecessores, por razões diversas de temperamento, se tornaram vítimas do mito da colegialidade de governo na qual sinceramente acreditaram, renunciando a assumir muitas responsabilidades que teriam podido resolver o problema da aparente ingovernabilidade da Igreja. A atualidade perene do Papado está no carisma que lhe é próprio: o primado de governo sobre a Igreja universal, da qual o magistério infalível é a decisiva expressão.
Bento XVI, dizem alguns, não exerceu com autoridade seu poder de governo, por ser um homem suave e manso, que não tem nem o caráter nem a força física para fazer frente a essa situação de grave ingovernabilidade. O Espírito Santo o iluminou infalivelmente, sugerindo-lhe o supremo sacrifício da renúncia ao pontificado para salvar a Igreja. Porém, não se dá conta de quanto este discurso seculariza e humaniza a figura do Sumo Pontífice. O governo da Igreja não se rege com base no caráter de um homem, mas em sua correspondência à assistência divina do Espírito Santo.
O Papado tem sido ocupado por homens de caráter imperioso e guerreiro como Júlio II, e por temperamento suave e amável como Pio IX. Mas foi o beato Pio IX, e não Júlio II, que correspondeu mais perfeitamente à graça, ascendendo ao cume da santidade própria ao exercício heroico do governo papal. A concepção segundo a qual um Papa fraco e cansado deve renunciar não é sobrenatural, mas naturalista, porque nega a ajuda decisiva ao Pontífice daquele Espírito Santo que impropriamente vem invocado. O naturalismo se transforma neste ponto no seu oposto: em um fidelismo de impronta pietista, pelo qual a penetração do Espírito Santo absorve a natureza humana e torna-se o fator regenerador da vida da Igreja. Trata-se de heresias antigas que hoje afloram até nos ambientes mais conservadores.
O erro, sempre mais difuso, é aquele de tentar justificar qualquer decisão que seja tomada por um Papa, por um Concílio, por uma Conferência Episcopal, em nome do princípio pelo qual “o Espírito Santo assiste sempre a Igreja”. A Igreja é por certo indefectível porque, graças à assistência do Espírito Santo, o “Espírito da Verdade” (Jo 14, 17), tem a garantia de seu Fundador de perseverar até o fim dos tempos na profissão dessa mesma fé, desses mesmos sacramentos, da mesma sucessão apostólica de governo. Indefectibilidade, todavia, não significa infalibilidade estendida a todos os atos de Magistério e de governo, nem tampouco impecabilidade da suprema hierarquia eclesiástica.
Na história da Igreja, explica Pio XII, “alternam-se vitórias e derrotas, subidas e descidas, heroicas confissões com o sacrifício de bens e da vida, mas também, em alguns de seus membros, queda, traição e divisão. Um testemunho da história é inequivocamente claro: o portae infero non praevalebunt (Mt 16, 18); mas também não falta a outra testemunha, até as portas do inferno tiveram o seu sucesso parcial” (Discurso De todo coração, de 14 de setembro 1956). Malgrado os sucessos parciais e aparentes do inferno, a Igreja não fica abalada nem pelas perseguições, nem pelas heresias ou pelos pecados de seus membros; pelo contrário, obtém nova força e nova vitalidade diante das graves crises que a golpeiam.
Mas se os erros, as quedas, as deserções não devem nos desencorajar, quando ocorrem não podem ser negados. Foi, por exemplo, o Espírito Santo que inspirou a escolha de Clemente V e de seus sucessores de transferir a sede do Papado de Roma para Avignon? Hoje os historiadores católicos concordam em defini-la como uma decisão gravemente errada, que enfraqueceu o Papado no século XIV, abrindo o caminho para o Grande Cisma do Ocidente.
Foi o Espírito Santo que sugeriu a eleição de Alexandre VI, um Papa que teve uma conduta profundamente imoral antes e depois de sua eleição? Nenhum teólogo, mas também nenhum católico, poderia sustentar que os 23 cardeais que elegeram o Papa Borgia foram iluminados pelo Espírito Santo. E se isso não aconteceu naquela eleição, pode-se imaginar que não aconteça em outras eleições e conclaves, que viram a escolha de Papas fracos, indignos, inadequados para a sua alta missão, sem que de algum modo isso prejudicasse a grandeza do Papado.
A Igreja é grande também porque sobrevive à pequenez dos homens. Pode, portanto, ser eleito um Papa imoral ou inapropriado. Pode acontecer que os cardeais do conclave rejeitem o influxo do Espírito Santo, e que o Espírito Santo, que assiste o Papa no cumprimento de toda a sua missão, seja recusado. Isso não significa que o Espírito Santo é derrotado pelos homens ou pelo demônio. Deus, e só Ele, é capaz de tirar o bem do mal e, portanto, a Providência guia todos os acontecimentos da História. No caso do conclave, explica em seu tratado sobre a Igreja o cardeal Journet, assistência do Espírito Santo significa que ainda que a eleição fosse o resultado de uma má escolha, tem-se a certeza de que o Espírito Santo, que assiste a Igreja transformando em bem até o mal, permite que isso aconteça por fins superiores e misteriosos. Mas o fato de que Deus tire o bem do mal praticado pelos homens, como aconteceu com o primeiro pecado de Adão, que foi a causa da Encarnação do Verbo, não significa que os homens possam fazer o mal sem culpa. E todo pecado deve ser pago, no tempo ou na eternidade.
Cada homem, cada nação, cada assembleia eclesiástica deve corresponder à graça, que para ser eficaz necessita da cooperação humana. Em face do processo de demolição da Igreja, do qual já falava Paulo VI, não se pode, portanto, permanecer com os braços cruzados, em um estado de otimismo pseudo-místico. Devemos rezar e agir, cada um de acordo com a sua própria possibilidade, para que esta crise tenha fim e a Igreja possa mostrar visivelmente aquela santidade e aquela beleza que jamais perdeu, e que nunca perderá até o fim dos tempos.
1 comentários:
Estaria ele na fila?
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